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Acolhimento, escuta e cuidado: por que minha prática psicológica tem esses três conceitos como premissas centrais

  • Foto do escritor: amandagontijopsi
    amandagontijopsi
  • 23 de jul.
  • 4 min de leitura

Acolhimento, escuta e cuidado no contexto da minha clínica: violência de gênero sob a perspectiva da psicologia humanista-existencial

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No contexto da violência de gênero, o conceito de acolhimento adquire uma densidade ética, política e existencial específica quando abordado pela psicologia humanista-existencial.


Nesse marco, o acolhimento não é meramente um procedimento técnico ou uma etapa inicial do cuidado psicológico, mas uma atitude radical de encontro, presença e reconhecimento do outro em sua dor, dignidade e potencial existencial.


Especialmente quando esses aspectos estão profundamente feridos pelo trauma, silenciamento e opressão sistêmica.



Acolher como atitude ética e existencial


Na psicologia humanista-existencial, o acolhimento é compreendido como uma forma de presença genuína, alicerçada na empatia, na escuta ativa e na aceitação incondicional da experiência vivida pela pessoa.


Segundo o psicólogo humanista Carl Rogers, a atitude de aceitação incondicional e consideração positiva é essencial para que a pessoa se sinta segura o suficiente para expressar suas experiências, sentimentos e subjetividade. É a partir dessa perspectiva de cuidado que adoto o acolhimento como a principal e primeira etapa da prática clínica.


Se você acompanha meu trabalho, provavelmente sabe que venho atuando, estudando e pesquisando a violência de gênero desde a graduação em psicologia — e não parei desde então.


Nesse contexto, para as mulheres que vivenciaram violência de gênero, essa forma de acolhimento exige, antes de tudo, o reconhecimento de sua subjetividade ferida e do contexto social, histórico e relacional que torna tais feridas possíveis.


Isso significa sempre adicionar contexto ao sujeito. Antes de qualquer diagnóstico ou mesmo da construção de um “perfil”, é o contexto que me orienta como perspectiva fundamental para um acolhimento adequado.


Trata-se de uma forma de escuta que se recusa a patologizar o sofrimento ou a violência; ao contrário, compreende-os como expressões legítimas de uma vida violentada por estruturas de dominação.


A escuta receptiva — acolhimento — é, sobretudo, um ato de resistência: sustenta a singularidade da dor contra seu apagamento pelos discursos normativos que tentam silenciá-la ou medicalizá-la.


Acolher é reconhecer: o político no existencial


A psicologia humanista-existencial, ao enfatizar o sentido da experiência vivida, também estimula uma compreensão ampliada da violência de gênero, que vai além da agressão física ou das denúncias formais, abrangendo as múltiplas formas pelas quais a violência molda o modo de ser-no-mundo de uma mulher.


Assim, o acolhimento se alinha à noção de “reconhecimento”, em que a subjetividade é constituída e afirmada na medida em que é reconhecida em sua dor, seus limites e sua capacidade de reconstrução.


Portanto, acolher mulheres em situação de violência torna-se um ato político de resistência, rompendo com a lógica da culpabilização, medicalização e silenciamento. Ao validar a experiência da mulher sem reduzi-la a uma categoria diagnóstica ou a um “caso”, o psicólogo humanista-existencial participa de um processo de restauração da dignidade e da integridade.


Escutar no contexto da violência de gênero: uma perspectiva humanista-existencial


A escuta, no campo da psicologia e especialmente na tradição humanista-existencial, não se reduz a uma recepção passiva de informações ou a uma técnica de coleta de dados clínicos.


Ela é um ato radical de reconhecimento, uma postura ética de estar-com o outro em sua dor, sua ambiguidade e sua luta por sentido — principalmente quando esse outro é uma mulher sobrevivente da violência de gênero.


Escutar, nesse contexto, é também um ato político, pois rompe com os sistemas de silenciamento e invalidação que frequentemente marcam as experiências das mulheres submetidas à violência patriarcal.


Escutar, então, é um ato de presença — um estar-aí que suspende interpretações e permite que a mulher articule sua experiência sem medo de minimizações, patologizações ou culpabilizações.


Escutar uma mulher que sofreu violência é resistir às estruturas que tornaram sua história inominável.


Cuidar no contexto da violência de gênero: uma perspectiva humanista-existencial


Na psicologia humanista-existencial, o cuidado não se limita a um ato de assistência, proteção ou benevolência. É entendido como uma atitude ontológica, um compromisso ético e uma posição política diante da vulnerabilidade, dignidade e potencial de vir-a-ser do outro.


Quando o cuidado é praticado no contexto da violência de gênero, deve resistir à revitimização, evitar a redução a uma intervenção técnica e, em vez disso, tornar-se um ato relacional, dialógico e libertador que dignifica a experiência vivida pela mulher.


Cuidar é, assim, um ato de resistência política: implica reconhecer e enfrentar os sistemas que permitem e perpetuam a violência. Implica também sustentar a dor sem buscar imediatamente eliminá-la, mas acompanhar o processo de ressignificação, reconstrução e autonomia.


Como aponta bell hooks (2000), “o cuidado, na práxis feminista, não é um gesto de suavidade, mas uma prática radical de confrontar o poder por meio da presença, dignidade e compromisso”.

Cuidar como co-construção de sentido: um horizonte terapêutico


Por fim, na clínica existencial-humanista, o cuidado envolve a co-criação de sentido.


Após a violência ter fragmentado o tempo, a fala e a identidade, o cuidado pode oferecer um espaço onde as mulheres são convidadas a narrar, reunir seus fragmentos e reivindicar sua temporalidade e autoria.


Esse processo não pode ser apressado.Exige uma forma de cuidado lenta, paciente e fundamentada na horizontalidade ética.Deve estar sintonizada com a perspectiva e as possibilidades da mulher — não como carência, mas como movimento em direção à reexistência.


No campo da psicologia humanista-existencial, o cuidado não é um instrumento de reparo, mas um gesto de presença ética profunda, fundamentado em uma compreensão política do sofrimento e em uma abertura existencial ao caminho singular do outro.


No contexto da violência de gênero, cuidar torna-se um ato de resistência, compromisso e co-presença, voltado não para a normalização, mas para a restituição da dignidade, liberdade e autoria.

 
 
 

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