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Gatacha se Torna Real no Mundo Virtual: Como a Inteligência Artificial Está Moldando a Perfeição. E Isso Está Nos Fazendo Perder Nossas Identidades

  • Foto do escritor: amandagontijopsi
    amandagontijopsi
  • 7 de ago.
  • 3 min de leitura

Não sei se você já conhece esse filme, mas se ainda não conhece, te convido para assistir Gattaca e refletir juntos sobre o tema em contemporaneidade.


Em Gattaca (1997), a perfeição era projetada no nível genético. O filme imaginava uma sociedade onde o valor humano era medido em sequências de DNA, onde a imperfeição era um crime contra o potencial, e onde "válidos" e "inválidos" viviam realidades separadas.


Era um mundo obcecado por controle e otimização, onde os aspectos bagunçados e imprevisíveis de ser humano eram suprimidos em favor de um sucesso pré-programado.


Mais de duas décadas depois, não estamos editando genomas (pelo menos não nessa escala), mas estamos editando identidades. E estamos fazendo isso por meio da inteligência artificial.


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Do DNA aos Dados: A Nova Face da Perfeição


Diferente dos laboratórios de Gattaca, a sala de criação atual é digital. Ferramentas de IA agora geram rostos perfeitos, vozes, corpos e até personalidades.


Pense em, uma influenciadora CGI com milhões de seguidores no Instagram e colaborações com Prada e Calvin Klein, apesar de não existir fisicamente. Ou em Aitana López, uma modelo espanhola criada por IA que ganha até US$11 mil por mês—sem nunca precisar comer, dormir ou envelhecer.


Aitana López
Aitana López

Esses não são apenas experimentos de marketing. São modelos de como a IA molda a identidade: infinitamente otimizados, algoritmicamente atraentes e livres das vulnerabilidades da vida real.


A promessa é sedutora: um “você” impecável, com mais tempo livre para viver, livre de fadiga, cicatrizes ou ansiedade social. O metaverso está aqui. E Assim como em Gattaca, onde a fragilidade humana de Vincent precisava ser escondida para acessar oportunidades, nossos "eus" digitais são “corrigidos” antes mesmo de entrarem no feed.


E o problema é este: quanto mais aperfeiçoamos essas identidades, mais perdemos algo profundamente humano: nossas imperfeições, nossa realidade corporificada e a identidade que surge da luta e da diferença.


O Olhar Algorítmico


A IA não apenas gera identidades idealizadas; ela nos ensina o que valorizar. O “olhar algorítmico” seleciona beleza e sucesso em padrões estreitos. Uma influenciadora de IA não acorda insegura ou resiste às normas de beleza: ela as incorpora.


E quando essa perfeição é multiplicada (por milhares de humanos digitais perfeitos e infinitamente produtivos), isso estabelece um novo padrão para todos.


Byung-Chul Han (2022) delimita a contemporaneidade como a era da infocracia, onde o excesso de informação corrói nossa capacidade de distinguir o que é real, confiável e valioso.

Neste mundo, a visibilidade torna-se verdade. Quanto mais perfeita e otimizada uma identidade parece, mais recompensada é—independentemente da sua existência ou autenticidade.


Em outras palavras, estamos vivendo dentro de uma versão algorítmica de Gattaca.


Mas desta vez, não é o DNA que nos divide em “válidos” e “inválidos”: são as métricas de engajamento, números de seguidores e favoritismo algorítmico. O eu é gamificado, medido e otimizado. Para sermos notados, performamos. Para performar, conformamos.


Nos Perdendo no Processo


O que perdemos? Perdemos autenticidade. Não a “autenticidade” cuidadosamente curada que as marcas adoram vender, mas a versão crua, caótica e vulnerável de nós mesmos. A voz humana falhando numa música. A risada nervosa. A pele imperfeita. O erro que nos faz ser uma pessoa real.


Quando a IA nos oferece um atalho para a perfeição, ela sutilmente nos diz que nunca somos suficientes como somos. E começamos a nos editar; apenas um filtro aqui, uma modificação de voz ali, uma foto do LinkedIn feita por IA. E então isso se torna a nova regra para aceitação social.


Já percebeu a constante necessidade de perfeição, mesmo no processo de escrita?


Ou melhor, em qualquer atividade de produção e trabalho, o impulso em direção à perfeição e a integração de filtros de IA para melhorar a qualidade e elevar os níveis de trabalho se tornaram novos requisitos... não só para sobreviver no mercado, mas também em nossos mundos sociais.


O Alerta de Gattaca


Gattaca terminou com uma poderosa contradição: Vincent, um “inválido”, triunfou por pura vontade e imprevisibilidade humana—porque ele era mais do que seu código genético. Era uma celebração do falho, confuso e profundamente humano.


Nosso desafio hoje é lembrar essa lição. Porque a IA está nos oferecendo algo que parece libertação, mas age como controle (padronização do eu). Ela ameaça substituir o único pelo replicável, o corporificado pelo simulado, o eu por um “você” amigável ao mercado.


Então, Para Onde Vamos?


Este não é um chamado para banir a tecnologia. A IA pode ter seus usos e talvez necessidades—especialmente numa sociedade neoliberal capitalista—mas também é um espelho, às vezes distorcido.


Porque se a perfeição é o que nos torna visíveis no mundo digital, a imperfeição pode ser o que nos mantém reais.


Referências:

  • Han, B.-C. (2022). Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia. Polity Press.

 
 
 

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