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Às Quartas Usamos Rosa: A Misoginia Oculta em Meninas Malvadas

  • Foto do escritor: amandagontijopsi
    amandagontijopsi
  • 9 de jul.
  • 6 min de leitura

Violência Midiática Contra Mulheres em uma Narrativa que Emanam Misoginia, Sexismo e Gaslighting


Quatro mulheres em roupas rosa e vermelha fazem sinal de silêncio com o dedo nos lábios, sugerindo segredo. Fundo cinza neutro.

O filme Meninas Malvadas (2004), embora frequentemente lembrado com nostalgia ou humor, revela, sob uma análise crítica, um poderoso retrato das estratégias socioculturais que sustentam o sexismo e a misoginia por meio da rivalidade feminina.


Ao abordar a hostilidade entre adolescentes em um ambiente escolar, a narrativa naturaliza — ou pior, reforça — estereótipos de gênero profundamente prejudiciais, expondo os mecanismos simbólicos pelos quais o patriarcado se sustenta e se renova.


Esse filme atua como espelho dos processos simbólicos e psicológicos pelos quais mulheres são colocadas umas contra as outras, minando a solidariedade feminina e contribuindo para uma cultura de violência simbólica e psicológica.

E é por isso que acredito nessa análise — com base em uma perspectiva da psicologia social.


Rivalidade Feminina: Uma Estratégia Patriarcal Contra a Sororidade


A premissa central do filme gira em torno do conflito entre garotas (entre as populares e a recém-chegada), perpetuando a ideia de que mulheres competem naturalmente por status, poder e desejo. No entanto, essa rivalidade representada no filme não é inata, mas sim um fenômeno historicamente e culturalmente construído — reproduzido e repetido principalmente pelas mídias.


Uma das razões pelas quais essa lógica é sistematicamente promovida por uma cultura patriarcal que teme alianças entre mulheres é que reconhece que a solidariedade feminina pode ser revolucionária. A rivalidade feminina — intensificada durante a adolescência — fragmenta a força coletiva das mulheres, obstruindo a sororidade e enfraquecendo os movimentos políticos (bell hooks — autora querida que fundamenta este texto). Ao promover o ódio entre pares, o patriarcado perpetua silenciosamente sua dominação.


Regina George e a Misoginia Disfarçada de Crítica


Talvez você não concorde com essa afirmação — mas convido a suspender julgamentos para refletir — Reginas não são o inimigo. Regina, a suposta “vilã”, é uma personagem construída explicitamente para ser odiada: bonita, confiante, popular, desejável — e, portanto, imperdoável.


O filme estimula o público a justificar a violência simbólica e moral contra ela com base em seu comportamento e aparência.

Isso representa uma misoginia disfarçada, em que o ódio às mulheres é camuflado de sátira.


A figura da “garota popular” torna-se o alvo ideal para a raiva coletiva, canalizando os ressentimentos de uma sociedade que despreza a feminilidade visível, poderosa e autorreferente.


Regina simboliza o paradoxo da feminilidade desejada e simultaneamente odiada, representando o desejo patriarcal de controlar e punir mulheres — especialmente aquelas não dóceis, “difíceis”.


Aaron: A Lógica da Rivalidade por um Homem como Narrativa Dominante


Um dos subenredos do filme envolve duas garotas competindo pelo mesmo garoto, Aaron.


Essa trama reproduz um dos clichês sexistas mais arraigados: mulheres como rivais em uma arena de competição romântica. A imagem de mulheres disputando um “homem ideal” é onipresente nas mídias de massa, reforçando a passividade masculina e o protagonismo feminino invertido — como se as mulheres existissem apenas para serem escolhidas.


Aqui, o homem é o prêmio; as mulheres, jogadoras de uma competição absurda cujo roteiro é perpetuamente escrito por homens. Esse recurso reduz a identidade feminina a uma busca pelo reconhecimento masculino, perpetuando estereótipos e dificultando o desenvolvimento de identidades femininas autônomas e solidárias.


Inteligência e Beleza: O Estigma da Feminilidade


Outro ponto crucial é a oposição construída entre beleza e inteligência. O filme reforça a ideia de que garotas bonitas são automaticamente menos inteligentes — ou não inteligentes — e que as mulheres precisam abandonar a vaidade e a “feminilidade” para provar sua competência — como se pensamento analítico e sensibilidade estética fossem mutuamente excludentes.


A protagonista, Cady, precisa ingressar no clube de matemática — um espaço majoritariamente masculino no filme — para ser reconhecida como inteligente. Nesse sentido, moda, estética e sensibilidade são associadas à futilidade, fazendo com que a “feminilidade” seja desprezada, inclusive pelas próprias mulheres.


Como pergunta Chimamanda Ngozi Adichie: por que ensinamos as meninas a se envergonharem da feminilidade?

O Acidente de Regina: “Punição”, Bullying, Violência Simbólica e Saúde Mental


Ao final do filme, Regina sofre um acidente retratado como uma “punição cármica”. A narrativa a posiciona como alguém que “merecia” sofrer. Aqui a misoginia atinge seu auge: a mulher desejada e temida que ousa existir de forma poderosa é exposta, humilhada e descartada.


Esse tropo é comum nas narrativas midiáticas, transformando a feminilidade em objeto de desejo e, depois, de destruição. Regina torna-se metáfora da própria feminilidade — desejada, odiada, punida. Um “troféu” que precisa ser destruído para restaurar a ordem patriarcal.


O acidente de Regina é apresentado de forma cômica, quase catártica, como justiça narrativa. No entanto, sob essa estética humorística reside uma lógica profundamente violenta que naturaliza a punição simbólica de mulheres que transgridem os códigos de gênero — especialmente quando incorporam poder, sexualidade e centralidade.


Esse momento escancara a misoginia internalizada que move a trama e revela como o bullying e a violência entre mulheres são normalizados ou até mesmo romantizados.


Essa narrativa intensifica o mito da mulher invejosa, traiçoeira e individualista — um arquétipo patriarcal que justifica a divisão e fragmentação entre mulheres. Além disso, Meninas Malvadas demonstra como a crueldade entre mulheres é romantizada e despolitizada pelas grandes mídias, tratada como algo inerente à feminilidade e não como construção cultural.


Como alerta bell hooks, a rivalidade feminina é um dos mecanismos mais eficazes para manter a supremacia masculina. Quando mulheres se tornam inimigas entre si, perdem força para enfrentar o inimigo comum: o patriarcado.

A cultura da rivalidade, da exposição pública e do bullying impacta profundamente a saúde mental. O filme retrata implicitamente o sofrimento psicológico das personagens, mas falha ao abordá-lo criticamente.


Regina é isolada e degradada, e Cady também passa por crises de identidade e sofrimento emocional ao se engajar na lógica cruel da popularidade. Ambas sofrem — vítimas de um sistema que normaliza o dano psicológico.


Aqui, é fundamental enfatizar o papel das grandes mídias como agentes da normatividade de gênero. As narrativas produzidas por Hollywood, redes sociais e cultura pop não são neutras; elas produzem subjetividades, moldam emoções e impõem padrões de feminilidade.


As mulheres são caricaturadas, moldadas por estereótipos de beleza, comportamento e função social. Esse roteiro encena o que Byung-Chul Han chama de “psicopolítica”: controle por meio da manipulação simbólica, não pela repressão explícita.


Como consequência, a saúde mental das personagens é comprometida — assim como a de muitas mulheres reais submetidas à violência simbólica disfarçada de entretenimento.


Identificação e Captura: Quando a Mídia Transforma Empatia em Estratégia de Consumo


Uma das estratégias mais sutis e eficazes usadas pela mídia hegemônica é a manipulação da identificação do público. A personagem Cady Heron, interpretada por Lindsay Lohan, inicialmente é apresentada como alguém com quem se pode simpatizar — inocente, fora dos padrões hegemônicos de beleza e comportamento —, criando empatia com espectadoras que se sentem igualmente excluídas.


Essa identificação é estrategicamente calculada, convertendo empatia em desejo de transformação individual e conformidade. A política de identidade é, de fato, uma ferramenta poderosa. Pode mobilizar grupos, fomentar solidariedade e evidenciar experiências de marginalização e opressão.


A espectadora que se identifica com Cady é guiada a desgostar de Regina e suas amigas por um mecanismo sutil e potente, transformando a conexão empática em hostilidade contra outras mulheres. Essa identificação encoraja o público a internalizar e reproduzir julgamentos misóginos, reforçando os valores patriarcais dentro do próprio público feminino.


Stuart Hall — autor que estudo desde antes do mestrado e que recomendo fortemente a quem pesquisa estigma, mídia, cultura e cibercultura — argumenta que os discursos midiáticos não apenas refletem, mas moldam identidades, encorajando o público a se identificar — e, consequentemente, a consumir. Essa é a identificação como subjugação — e não como libertação, como apontaria Butler em suas análises sobre mulheres e mídia de massa.


Quando instrumentalizada pela mídia e por narrativas culturais dominantes, a política de identidade pode se tornar método de manipulação e controle, reforçando divisões e incentivando o alinhamento a identidades simplificadas e comercializáveis.


Ao moldar estrategicamente essa identificação, o filme perpetua uma cultura de misoginia internalizada, encorajando as mulheres a se vigiarem e punirem umas às outras com base em padrões patriarcais. Essa manipulação impacta profundamente a saúde mental, criando expectativas irreais e sentimentos constantes de inadequação diante de ideais inalcançáveis.

Meninas Malvadas, portanto, transcende sua fachada cômica, refletindo a misoginia oculta, a violência simbólica e as estruturas manipuladoras de poder embutidas em nossa cultura.


O desafio que permanece é desconstruir criticamente tais narrativas, reconstruindo a solidariedade e desmontando normas patriarcais.

 
 
 

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